Ter um caso faz bem ao casamento
A socióloga Catherine Hakim diz que traições discretas revigoram as relações matrimoniais – e que, quando descobertas, elas deveriam ser toleradas
Pesquisadora da London School of Economics, a socióloga inglesa Catherine Hakim gosta de desafiar a moral vigente. Em 2011, ela publicou Capital erótico, livro em que defendia o direito de usar a beleza para subir na vida. Agora, aos 64 anos, acaba de lançar The new rules: internet dating, playfairs and erotic power (em tradução livre, As novas regras: encontros pela internet, casos rápidos e poder erótico), sem previsão de publicação no Brasil. Para escrevê-lo, Catherine entrevistou usuários de sites para infiéis. Eles contaram a ela que são felizes no casamento e que buscam parceiros sexuais na internet apenas para suprir a falta de sexo, comum na vida dos casais. Catherine defende essa atitude. “Gostar de comer em casa diariamente não nos impede de ir ao restaurante de vez em quando.”
Há evidências de que os casamentos mais duradouros são aqueles em que ocorrem casos extraconjugais?
As pesquisas mostram que, nos países com menor taxa de divórcio, os casos extraconjugais são mais aceitáveis e praticados. Nos Estados Unidos, onde a infidelidade é vista como pecado e não se tolera a mínima escapada, metade dos casamentos termina em divórcio. Na Europa, há uma cultura de que a fidelidade sexual no casamento não é tão importante assim. Não é à toa que, na Espanha e na Itália, a taxa de divórcio fica em torno de 10%. Nesses países, os estudos revelam a alta incidência de casais em que cônjuges já tiveram um ou mais casos durante o relacionamento. Casamentos começam e terminam por várias razões. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, as mulheres dizem largar o marido depois de alguma evidência de um caso. Hillary Clinton foi publicamente execrada por não ter se separado depois da exposição do caso entre seu marido, Bill Clinton, e a estagiária Monica Lewinsky.
Trair, então, é a receita para manter um casamento feliz?
Não, só estou dizendo que um caso não é grande coisa. Acho exagero esse conceito que rotula a infidelidade como um terrível desastre e que, se acontecer em sua casa, é sua obrigação pedir o divórcio. Meu livro retrata as experiências de homens e mulheres que usam sites de encontros para ser infiéis. A razão mais comum para eles recorrerem a isso é um casamento sem sexo suficiente. Eles tentam encontrar quem também quer preencher essa lacuna. Para essas pessoas, ter um caso é uma ótima forma de manter um casamento feliz. Nos anos 1960 e 1970, era imoral ver jovens solteiros fazendo sexo antes do casamento ou morando junto. Agora, essas coisas são aceitas. Da mesma forma, sexo fora do casamento virou algo factível. A ideia ainda choca, apesar de ser difundida nesses sites. Hoje, sociedades como a França entenderam que a fidelidade sexual é uma questão de escolha e não pode ser imposta. Isso não tem a ver com poligamia ou relacionamento aberto. A dinâmica é outra, porque você esconde o caso.
Quem procura um caso está infeliz em casa?
Não necessariamente. A maioria dos entrevistados para o livro estava feliz com o casamento e não queria que nada afetasse as circunstâncias familiares. Até por isso s se preocupavam em manter o caso com discrição. Eles não pensavam em se separar do cônjuge. Nem em se apaixonar ou viver um grande romance com outra pessoa. Queriam coisas que a relação, depois de três ou quatro anos, não consegue mais oferecer.
Que coisas são essas?
As pessoas usam esses sites de encontro porque o casamento virou uma espécie de celibato. Para elas, essa é a solução para permanecer no casamento. Outras têm casos pela excitação e pela aventura, mesmo que o sexo no casamento esteja ótimo. Ambos os sexos sentem que, depois do período “lua de mel”, acaba a novidade. O outro se torna familiar e não causa tanta excitação. As pessoas gostam da segurança de um casamento, mas também sonham com fortes emoções. Querem se sentir atraídas e desejadas. Os casos oferecem de volta a empolgação com o jogo sexual, a fantasia aventureira, a afirmação da individualidade. A ideia de que os casos são proibidos e envolvem risco deixa tudo mais interessante. Cada sexo age de forma diferente quanto a isso. As mulheres, em geral, buscam nos casos a atenção que às vezes não recebem do marido. Os homens são instigados pela fuga da rotina e pela chance de ter mais sexo do que em casa.
A senhora diz que o impacto da internet na sexualidade é comparável à invenção do anticoncepcional. Por quê?
A pílula separou sexualidade de fertilidade. Libertou as pessoas para transar sem finalidade de reprodução e sem medo de engravidar. Descomplicou o sexo casual. Os sites de encontro para infiéis facilitaram a vida de muita gente. Reuniram pessoas que não querem terminar o casamento, mas desejam sexo sem envolvimento emocional. São relações simétricas, em que as duas partes concordam em manter um caso escondido para não constranger o marido ou a mulher.
Discrição é uma das regras dos franceses, que a senhora chama de “experts” em infidelidade. Quais as outras lições deles?
As pesquisas na França estimam que um quarto das pessoas casadas legalmente já teve pelo menos um caso na vida. Na Inglaterra, apenas um entre dez homens e uma entre 20 mulheres admitem. A principal lição dos franceses é não trair com alguém de seu círculo social, uma vizinha ou um colega de trabalho. Primeiro, para evitar fofocas e preservar a dignidade do cônjuge. Segundo, porque é mais fácil romper o caso se houver indícios de paixão. Lá, eles não se gabam da infidelidade para os amigos. Os encontros, que ficam em segredo, são em elegantes jantares e viagens. Das 5 às 7 da tarde, depois do expediente, é comum as pessoas casadas saírem com seus amantes. A maioria dos casais sabe que os casos são efêmeros e não justificam o fim da vida construída a dois.
Há quem diga que é impossível restaurar a confiança e permanecer na relação. Sua sugestão é ignorar a traição e seguir em frente?
Sim. Esses casos costumam não envolver sentimento e passam logo. Claro que a sociedade pressiona para que você se sinta mal pela infidelidade do marido ou da mulher. A fofoca é um poderoso mecanismo de pressão social. Se você tem um relacionamento que vale a pena, consegue superar. Um bom caso extraconjugal pode até melhorar o casamento, à medida que deixa as pessoas mais felizes e bem-humoradas. Um bom caso é aquele que não deixa a pessoa excessivamente ansiosa ou distante da mulher ou do marido. É algo leve, sem cobranças.
Por que a senhora diz que as amantes de homens ricos e poderosos têm direito a benefícios financeiros?
O tradicional caso extraconjugal sempre foi entre um homem casado e uma mulher solteira. Ele costumava ser mais velho, poderoso e bem-sucedido. A amante era uma figura jovem e atraente, mas pobre. É o exemplo do executivo e sua secretária. Considero esse tipo de relacionamento injusto. Em geral, a amante espera se casar, e o homem, para não perdê-la, alimenta a esperança de que abandonará a mulher. Não há igualdade nessas circunstâncias, como haveria entre duas pessoas casadas, no mínimo. Acho que essa amante tem o direito de exigir jantares e presentes caros e viagens bacanas para compensar a exploração. Na China e no Japão, homens jovens têm casos com mulheres ricas e mais velhas na expectativa de ganhar presentes em dinheiro, roupas, carros... Não entendo por que o mundo ocidental se incomoda com isso. É natural que pessoas ricas possam bancar essa generosidade.
Por que a senhora afirma que a longevidade é culpada por trairmos mais hoje do que séculos atrás?
Antes do século XVIII, os casamentos duravam em média 20 anos, porque as pessoas morriam cedo. Hoje, vivemos 80, 100 anos. E podemos ficar casados com o mesmo companheiro por mais de seis décadas. É um tempo razoável para nos entediarmos. Os casais viram mais amigos que amantes românticos. Isso ajuda a explicar por que buscamos mais casos extraconjugais hoje em dia. Na Inglaterra, nas pesquisas nacionais sobre sexo entre 1990 e 2000, a porcentagem de homens e mulheres que admitia ter casos dobrou. E esse número subiu em 2010.